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Expedição UFT, UnB e ICMBio

“Desaparecida” há mais de duas décadas, espécie de lagarto é redescoberta por pesquisadores no Tocantins

Por Gihane Scaravonatti | Publicado: Sexta, 10 de Novembro de 2023, 22h55 | Última atualização em Terça, 05 de Dezembro de 2023, 08h09

 

Bachia psamophila encontrado após décadas de ausência de registros (Foto Luís Felipe Carvalho de Lima)

 

Não, você não leu errado, nem esta coluna se enganou: o bicho da foto é mesmo um lagarto, embora tenha toda a “pinta” de cobra ou serpente (ao menos, assim pode parecer para nós, os “desentendidos” no assunto).

 

Bachia psamophila encontrado após décadas de ausência de registros (Foto Luís Felipe Carvalho de Lima)Bachia psamophila encontrado após décadas de ausência de registros (Foto: Luís Felipe Carvalho de Lima | Edição: Gihane Scaravonatti)

 

Não, você não leu errado, nem esta coluna se enganou: o bicho da foto é mesmo um lagarto, embora tenha toda a “pinta” de cobra ou serpente (ao menos, assim pode parecer para nós, os “desentendidos” no assunto).

Mas, o especialista em répteis, o professor pesquisador Thiago Portelinha, garante: é um lagarto, e dos raros! “Pois é, este lagarto se assemelha bastante a uma cobra, uma serpente. Inclusive, chamamos essa característica de corpo serpentiforme. A espécie possui membros muito reduzidos. No caso, ela possui patas, mas são bem pequenininhas, e a cauda é bastante alongada”, explica Portelinha.

Esta espécie de lagarto é - assim cientificamente batizada - a Bachia psamophila, um réptil que requer muita atenção e que corre o risco de ser extinto, de fato, num futuro próximo, alertam os cientistas participantes da expedição científica que redescobriu o lagarto no Tocantins, entre setembro e outubro deste ano.

Desde a descoberta da espécie, em 1999, durante estudos sobre o impacto ambiental da formação da Usina Hidrelétrica Luis Eduardo Magalhães, nenhum outro indivíduo havia mais sido observado na natureza.

O professor Portelinha - docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Ambiente (PPGCiamb), da Universidade Federal do Tocantins (UFT) - foi um dos integrantes da expedição, junto com outros pesquisadores da UFT, da Universidade de Brasília (UnB) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Trabalho em rede e estratégias nacionais de conservação ambiental

O trabalho em campo que resultou na redescoberta do lagarto foi uma das atividades do Plano de Ação Nacional para a Conservação das Espécies Ameaçadas de Extinção da Ictiofauna, Herptofauna e Primatas do Cerrado e Pantanal (CERPAN), viabilizada pelo Projeto Estratégia Nacional para a Conservação de Espécies Ameaçadas de Extinção (GEF Pró-Espécies).

O CERPAN é coordenado pelo Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Répteis e Anfíbios (ICMBio/RAN) e busca, entre outros objetivos, difundir conhecimento científico sobre as espécies-alvo e seus habitats.

A redescoberta da Bachia psamophila - espécie que ficou por mais de vinte anos “sumida” - destaca a importância do trabalho em rede, interinstitucional, e do investimento em pesquisa, estratégias e políticas de conservação das espécies e biomas brasileiros.

Integraram a equipe:

  • Pela UFT: Emannuel Ramos de Araújo, Geisa K. L. Vitorino da Silva, Heitor C. de Sousa, Isaias B. Oliveira, Júlia M. Campos, Ladislau F. Varão, Marco A. Rodrigues, Maria Fernanda O. Barbosa, Mikaella Milhomem Santos, Thiago Alves e Thiago C. G. Portelinha;
  • Pela UnB: Ana Caroline C. Aragão, Cecília R. Vieira, Guarino Colli, Humberto C. Nappo, Luis Felipe C. de Lima e Reuber A. Brandão;
  • Pelo ICMBio/RANDeusdede Inocêncio Ferreira, José Geraldo da Silva, Luciana Signorelli e Rafael Valadão.

Como foi a (re)descoberta da Bachia psamophila?

Criticamente ameaçada, a Bachia psamophila, essa espécie rara de lagarto habitante do Cerrado, foi descoberta no ano de 1999, durante estudos que avaliavam o impacto ambiental da formação do reservatório da Usina Hidrelétrica de Luis Eduardo Magalhães, em Lajeado, no Tocantins. Esses primeiros exemplares da espécie foram então registrados pelos biólogos Ayrton K. Péres Jr. e Reuber A. Brandão - este, hoje, professor na UnB.

Em 2007, a espécie foi, enfim, formalmente descrita por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP). No entanto, desde a descoberta daqueles exemplares, que foram utilizados para a descrição científica, nenhum outro indivíduo havia mais sido observado na natureza.

 Mineração de areia próximo à área de ocorrência de Bachia psamophila (Foto Reuber Brandão) Mineração de areia próximo à área de ocorrência de Bachia psamophila (Foto Reuber Brandão)

Entre os dias 26 de setembro e 06 de outubro deste ano de 2023, um grupo de pesquisadores da UFT, UnB e ICMBio - durante uma expedição científica para a realização de trabalho estratégico nacional de monitoramento de espécies - foi surpreendido ao encontrar diversos novos exemplares do lagarto Bachia psamophila. Os lagartos foram localizados no município tocantinense de Miracema -  próximo ao local onde, há mais de 20 anos, a espécie foi originalmente registrada.

Comemorando o achado, o grupo de cientistas destacou a redescoberta como “uma nova esperança quanto ao futuro da espécie Bachia psamophila”.

Por que a Bachia psamophila é tão rara?

Muito seletiva em relação ao habitat, explicam os pesquisadores, sabe-se que a espécie vive, por enquanto, somente nos chamados "tombadores de areia", como são localmente denominadas as paleodunas do rio Tocantins.

Essas áreas, de areia branca e bastante fina, cobertas por vegetação aberta de Cerrado, foram formadas pela deposição de areia do rio em seu curso, ajudando-nos, inclusive, a compreender a história do rio Tocantins.

“A Bachia psamophila também escreve essa história, por meio de seus rastros deixados nessas areias”, observa o grupo de pesquisadores, em carta coletiva sobre a redescoberta da espécie.

Rastro característico deixado pela Bachia psamophila quando serpenteia pelas areias (Foto: Reuber Brandão)Rastro característico deixado pela Bachia psamophila quando serpenteia pelas areias (Foto: Reuber Brandão)

“Esse lagarto é bem difícil de ser encontrado. Ele se esconde muito bem no solo arenoso e em qualquer tipo de abertura que funcione como um esconderijo. Portanto, nem sempre é fácil visualizá-lo em campo e, por isso, a população local pode nem ter notado a sua presença. A sua redescoberta não foi fácil e demandou esforços dos pesquisadores, instituições e órgãos ambientais”, detalha Thiago Portelinha.

Répteis ameaçados de extinção no Brasil

O Brasil é um país mega diverso, abrigando a terceira maior riqueza de répteis do mundo, atrás apenas da Austrália e México. Entretanto, essa grande diversidade de espécies está ameaçada pela perda e alteração de seus ambientes naturais.

Segundo dados de 2022, do Ministério do Meio Ambiente, cerca de 70 espécies de répteis são, atualmente, consideradas ameaçadas de extinção no país.

Na lista das espécies de répteis que correm risco de desaparecerem definitivamente da natureza, a Bachia psamophila recebe a classificação de Criticamente em Perigo (Critically - CR) - um “degrau” muito próximo à extinção.

Tartarugas e jacarés são os répteis mais ameaçados

Os répteis compõem um grupo muito diverso, incluindo os lagartos, as cobras, as tartarugas e os jacarés. Cada grupo apresenta características muito específicas e diferentes níveis de ameaça. Entre os répteis, as tartarugas e os jacarés são os mais ameaçados, afirma Portelinha. “Isso tem a ver com o tempo necessário que eles demoram para chegar à maturidade sexual, o tempo que eles entram na fase reprodutiva e as características específicas dos seus ambientes, principalmente associados aos trópicos”, explica.

Ainda segundo Portelinha, certas peculiaridades da biologia e da ecologia das espécies tornam esses animais mais sensíveis e, consequentemente, ameaçados. Ele cita, por exemplo, a dependência da temperatura ambiental que esses animais possuem para regularem a temperatura corporal, pois são ectotérmicos - popularmente, conhecidos como animais de “sangue frio”.

“Essas espécies demandam habitats com características muito específicas, pela sensibilidade aos poluentes. Suas principais ameaças antrópicas são as alterações climáticas, o comércio ilegal de produtos e subprodutos, assim como a destruição de seu habitat, principalmente para agricultura e urbanização”, detalha o pesquisador, que também coordena o Laboratório de Caracterização de Impactos Ambientais da UFT (acompanhe o trabalho do LCIA, pelo Instagram). 

Entenda a classificação de espécies ameaçadas

O método usado para a avaliação das espécies ameaçadas da fauna brasileira foi desenvolvido pela União Internacional para Conservação da Natureza – UICN. Este método, que é constantemente revisado e utiliza critérios e categorias para definir o risco de extinção das espécies, é produto de amplas discussões entre a UICN e a comunidade científica internacional.

Na avaliação regional, uma espécie, no geral, pode ser enquadrada em onze categorias internacionais distintas, conforme o grau do risco de extinção em que se encontra. Por convenção científica, sempre que houver referência a determinada categoria, utiliza-se o termo em português (no Brasil) e a sigla original em inglês, entre parênteses.

Quando falamos, então, em riscos às espécies da fauna, a classificação fica assim:

  • Extinta (EX) – Extinct
  • Extinta na Natureza (EW) – Extinct in the Wild
  • Regionalmente Extinta (RE) – Regionally Extinct, e, no caso, equivale a “Extinta no Brasil”
  • Criticamente em Perigo (CR) – Critically
  • Endangered Em Perigo (EN) – Endangered
  • Vulnerável (VU) – Vulnerable
  • Quase Ameaçada (NT) – Near Threatened
  • Menos Preocupante (LC) – Least Concern
  • Dados Insuficientes (DD) – Data Deficient
  • Não Aplicável (NA) – Not Applicable
  • Não Avaliada (NE) – Not Evaluated

Categorias de Risco de Extinção IUCN.png (Imagem: divulgação)Categorias de Risco de Extinção IUCN.png (Imagem: divulgação)

 

Você pode conhecer mais detalhes sobre estas categorias AQUI, neste documento disponibilizado pelo ICMBio.

Mas, voltando à Bachia psamophila e outras redescobertas no Tocantins…

No podcast do Canguçu Ciência - o programa de divulgação científica do Centro de Pesquisa Canguçu da UFT -, você confere uma entrevista feita pelo coordenador do Canguçu - o professor Renato Pinheiro - com o professor Thiago Portelinha.

O bate-papo entre estes dois grandes nomes das pesquisas em Biologia na UFT traz mais informações sobre répteis e outros detalhes sobre a Bachia psamophila - como o que fazer, por exemplo, se encontrarmos este simpático e inofensivo lagartinho “dando sopa” nas areias do rio Tocantins.

Ainda, os pesquisadores comentam sobre outra espécie animal que ficou sumida por bastante tempo e foi reencontrada 80 anos depois, também no Tocantins. Sabe qual é? Descubra no Canguçu Ciência!

Também na Sexta com Ciência:

Conheça o Canguçu: observatório científico da UFT está aberto a visitas o ano todo e a qualquer pessoa interessada

Sobre a Sexta com Ciência

Sexta com Ciência é uma seção especial de divulgação científica, para você que quer conhecer mais sobre os trabalhos que vêm sendo desenvolvidos pelos pesquisadores da UFT, nas mais diversas áreas do conhecimento. Acesse todas as matérias AQUI!

Esta seção semanal é uma iniciativa da Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação (Propesq) com a Superintendência de Comunicação (Sucom), em prol da disseminação e popularização da Ciência.

Fique ligado: toda sexta-feira - no portal e redes sociais da UFT - é dia de Sexta com Ciência!

Sexta com Ciência é uma seção especial de divulgação científica da UFT, numa parceria entre a Propesq e a Sucom.

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